Conheci o Lucas (nome fictício) pela
internet, em minhas pesquisas sobre Torcidas Organizadas, e, meses depois,
pessoalmente, na reunião que fiz com sua torcida para falar da importância da
paz nos estádios e fora deles.
Aliás, essa é uma luta incansável
minha e de meu amigo Felipe Tobar, de Joinville (SC): demonstrar que a sadia
rivalidade pode coexistir com o respeito recíproco entre pessoas civilizadas e
que ser rival não é, de modo algum, ser inimigo a ponto de chegar a agredir,
roubar ou mesmo matar o semelhante apenas porque ele torce pra um time
diferente daquele que você, prezado leitor, escolheu.
Não sei como o conteúdo da reunião
penetrou na mente e no coração de Lucas. Nunca ele me disse nada e nem eu lhe
perguntei. No entanto, com a experiência de vários anos atuando nesse meio, se
eu tivesse de oferecer duas palavras para definir aquele jovem diria: de bom
coração, mas, ao mesmo tempo, muito decidido.
Explico melhor: Lucas não é um
psicopata ou alguém sem sentimentos. Ao contrário é uma pessoa boa, boníssima,
capaz de ajudar em campanhas sociais, doar algo que lhe pertence para socorrer
o próximo necessitado, ter carinho para com os animais etc. Contudo, ele é
também o tipo de homem que não se brinca em vão. Se mexer tem resposta. E
resposta dura, na pancada. Daí eu usar o adjetivo decidido para defini-lo.
Ficamos amigos. Tive apreço pela
clareza e humildade com que Lucas se expressava nas nossas longas conversas.
Ele também confiou na minha amizade e nos meus trabalhos. Desse modo, foi
possível conhecê-lo melhor e confirmar aquilo que eu pensara e definira no
primeiro contato pessoal.
Meu novo amigo entrou para a Torcida
Organizada com 14 para 15 anos. Logo se enturmou e aprendeu a brigar na sua cidade
ou nas viagens que fazia junto aos demais torcedores que acompanhavam o time
para outras localidades nos campeonatos estadual ou nacional. Não chegou a ser
diretor, mas ganhou respeito de todos e logo passou a puxar bonde (ser
responsável pelo grupo de torcedores organizados do seu bairro que ia para o
estádio).
Junto a outros rapazes enfrentou
várias brigas (pistas) batendo e apanhando dos rivais, como é normal, mas
sempre tentando defender a honra de sua torcida organizada. Passou também a
fumar cigarro diariamente, a beber e usar algum tipo de drogas, embora não
abandonasse o emprego, os estudos, a família e a namorada.
Para resumir essa fase da vida de
Lucas é preciso dizer que, acostumado com confrontos covardes nos quais tiros,
pedras, pedaços de madeiras, barras de ferro eram comuns, sua glória foi
enfrentar uma grande torcida cujos membros só brigavam na mão e não batiam em
quem já estava no chão. Sua decepção, no entanto, foi nesse mesmo dia de
glória, pois a polícia o fichou e reteve seus documentos. Lucas ainda era menor
de idade na época e por isso saiu livre da delegacia.
Seu gosto pela torcida, seja na
bancada, seja na pista, não decresceu, mas, ao contrário, parecia aumentar a
cada dia até que o inesperado veio: em um dos dias no qual o decidido rapaz não
pode ir ao jogo, sua torcida, numa briga, matou um membro da torcida rival.
Aquilo lhe pareceu demais. Morreu o outro, mas poderia ser ele.
Decidiu empreender uma mudança
lenta, mas decidida, bem de acordo com sua personalidade, em sua vida, pois
percebeu que as brigas não levam a nada, salvo a boletins de ocorrências,
delegacias e até prisões cujo resultado é sempre o nome sujo para uma futura
evolução profissional e nada mais.
A
pista, nessa fase de mudança, já estava no passado na vida de Lucas, ainda que
sua disposição, em uma emergência, seja a mesma de sempre: trocar para vencer e
nunca para levar a pior do inimigo. Contudo, note-se a grande evolução. Antes
ele saia procurando confusão. Agora só se defende se precisar ou, se possível,
busca dialogar com o caçador de encrencas.
Tempos
depois, nosso amigo abandonou integralmente a vida de torcedor organizado e
passou a ir aos jogos do seu time como torcedor comum ou “povão”, segundo se
fala nesse meio. A intenção era, ao contrário de antes, apenas apoiar o clube
sem se preocupar com os rivais.
Alguns
meses depois, esse jovem já se desligara totalmente daquela vida de antes.
Decidiu outro passo importante: parar de fumar cigarro e de usar maconha.
Enfim, era um novo homem que ali estava disposto a progredir cada vez mais
pensando em Deus (voltou a ir à igreja), na família (passa mais tempo com os
pais), no futuro pessoal (seu namoro vai bem e os exercícios na academia
também) e profissional (conta com um bom trabalho).
O
exemplo de Lucas serve para muitos adolescentes e jovens que se encontram na
mesma situação. Ele demonstrou que é possível mudar de vida sem deixar de ser
um valente guerreiro cheio de disposição para a vida, mas fora da busca de
brigas por time ou torcida. Ele está feliz em seu novo caminho e estará cada
vez mais, com a graça de Deus.
Texto: Vanderlei de Lima