quarta-feira, 26 de junho de 2013

A legalidade das manifestações políticas nos estádios de futebol

Caros leitores!
Aproveitando a onda de manifestações que assola cada cidade de um Brasil ávido por mudanças profundas e duradouras, após analisar os protestos pacíficos ocorridos nas arquibancadas dos estádios de Fortaleza e Salvador, durante as partidas do Brasil, chego a conclusão de que o futebol brasileiro e sua Justiça Desportiva enfrentarão, em um futuro muito próximo, os efeitos da libertação das amarras de uma ditadura disfarçada de democracia.

Na mais recente história do futebol nacional, a opressão ao direito de livre manifestação dos torcedores, registrou seu ápice após a tentativa de proibição dos protestos realizados em Florianópolis, contra o ex-presidente da CBF; em Joinville, contra o árbitro Alício Pena Júnior e à própria CBF e; em Recife, no Estádio dos Aflitos, contra a má atuação da arbitragem em um contexto geral.

À época, para quem se olvida, torcedores foram previamente impedidos, por meio de Resolução da Presidência da Federação Catarinense de Futebol, de protestarem através de cartazes e outras faixas contra o todo poderoso Sr. Ricardo Teixeira. Com o fito de restabelecer a justiça, o Poder Judiciário, provocado pelo Ministério Público Federal, determinou a validade e a possibilidade das manifestações ocuparem as arquibancadas do Estádio Orlando Scarpelli, em total atenção à liberdade de expressão prevista como direito fundamental na Constituição Federal de 1988.

 
Posteriormente, na cidade de Joinville, Santa Catarina, torcedores levaram uma faixa com os dizeres “Alício + CBF = Vergonha”, queixando-se da atuação da arbitragem diante do Ceará, na Série B de 2012. Ocorre que o Pleno do STJD, por unanimidade, veio a condenar o clube tricolor por entender tal faixa como ofensiva, pois, violava o art. 13-A do Estatuto do Torcedor e o Código Disciplinar da FIFA. Assim, o STJD reprimia o direito de manifestação e liberdade de expressão, privilegiando as diretrizes de um Código Disciplinar da FIFA, um tanto quanto controverso aos ares democráticos.

Em Recife, ainda que o pleno do STJD, tenha absolvido o clube pernambucano do mesmo artigo em que fora condenado o Joinville Esporte Clube, é preciso registrar que a partida na ocasião só teve seu início após a retirada da faixa, consoante determinação do árbitro Luiz Antônio Vuadem, em evidente excesso de autoridade.

 Uma vez realizado esse breve escorço histórico, os movimentos que tomaram as ruas das cidades, felizmente, desembocaram nas arquibancadas da Copa das Confederações, nos brindando com uma oportunidade ímpar para procedermos na discussão da legalidade ou não de reivindicações políticas no ambiente do futebol. Devemos aprofundar o debate a partir de três indagações:
 1) Deve o torcedor ser tolhido de se manifestar politicamente nos estádios de futebol? 2) Qual será a posição tomada pelos tribunais de disciplina da FIFA frente aos atos protagonizados pelos torcedores brasileiros e estrangeiros? 3) Poderá a CBF ou outra associação nacional, caso sejam punidas em multa pecuniária pela FIFA, vir a obter êxito em ações de responsabilidade civil contra os torcedores considerados infratores?
A história revela que o próprio futebol nasceu de uma opção política definida na taberna ‘Freemason’ em Londres no final do século 19, quando se separou definitivamente o esporte jogado somente com os pés de qualquer resquício ou influência do Rugby. Mais do que isso, o transcurso dos acontecimentos demonstra o papel fundamental do esporte na política de diminuição das mazelas de inúmeras sociedades espalhadas ao redor do globo, seja pelo seu potencial de reconstrução do ser humano ou por sua notória capacidade de atrair a atenção do público para questões consideradas importantes.
Por exemplo, no Brasil e nos Estados Unidos, respectivamente, o futebol e o Baseball, em muito auxiliaram os negros a receberem respeito da classe branca antigamente dominante, a partir de suas admissões nas ligas esportivas. Tal luta, como cediço, infelizmente ainda não encerrada, recebeu nas Olimpíadas do México de 1968, inesquecível apoio. No ano da morte de Martin Luther King, Tommie Smith e John Carlos, atletas americanos, no momento da celebração do pódio, ao abaixarem suas cabeças e estenderem seus punhos fechados ao alto, protestaram contra o racismo e a discriminação nos Estados Unidos. Entretanto, cabe registrar que, infelizmente, por conta de tal ato, ambos foram enviados para casa pela delegação olímpica como medida de punição.
Outrossim, é necessário relembrar que foi o futebol que garantiu a inúmeros sujeitos considerados pobres economicamente, longe da criminalidade, a chance de garantirem um futuro melhor para si e para suas famílias. E que também foi através do futebol que guerras e conflitos armados já foram suspensos, vide a viagem do Santos de Pelé ao ex-congo belga no continente Africano.
 Enfim, sem me alongar mais, nota-se que definitivamente não há como separar os acontecimentos esportivos da política e das discussões dos problemas sociais, pois o futebol, como outros tantos esportes, apenas exprime no interior de suas arquibancadas e tribunas a realidade da sociedade em que está inserida. Não é outra a opinião do sociólogo e professor na Duke University, Orin Starn, ao afirmar que “os esportes representam a sociedade como um todo, seus anseios, reclamações, enfim, seu status quo”.
 Aliás, oportuno lembrar que as arquibancadas hoje 'sitiadas' sempre foram utilizadas como palanque eleitoral para muitos políticos. Logo, por qual razão não poderia também servir para o povo manifestar seus ideais? Contraditório, não?
Assim atualmente o que se percebe é que a FIFA, mandatária do futebol no mundo, através de seu código disciplinar, busca negar nos estádios que estão sob sua responsabilidade, a principal ferramenta de diminuição das diferenças de qualquer sociedade: a liberdade de expressão. Tenta despolitizar, o impossível, haja vista que se recordarmos da lição de Aristóteles, o ser humano, por natureza, é um ser político.
Nesse cenário, diz o Código Disciplinar da FIFA (CDF):
67 Responsabilidad de la conducta de los espectadores
1. La asociación o el club anfitrión es responsable, sin que se le impute una conducta u omisión culpable, de la conducta impropia de los espectadores y, dado el caso, se le podrá imponer una multa. En el caso de disturbios, se podrán imponer otras sanciones
3. Se considera conducta impropia, particularmente, los actos de violencia contra personas o cosas, el empleo de objetos infamables, el lanzamiento de objetos, el despliegue de pancartas con textos ofensivos al honor o contenido político, los gritos injuriosos y la invasión del terreno de juego.
            
Como se percebe, as fotos colacionadas no inicio deste post demonstram que com a exibição de cartazes de cunho estritamente político, a torcida brasileira e também espanhola, violaram o artigo 67, 1, do Código Disciplinar da FIFA, o qual, por sua vez, responsabiliza objetivamente a associação nacional pelos atos de seus espectadores, prevendo para tanto pena de multa.
Em vista disso, caso os órgãos de disciplina da FIFA não levarem a julgamento tais fatos, abrir-se-á, um precedente histórico para casos semelhantes que podem vir a ser registrados nas competições organizadas pela CBF em nosso país, como ocorrido algumas vezes no Campeonato Brasileiro de 2011 e 2012, conforme demonstrado também nas primeiras linhas dessa postagem.
Daí que a futura atuação do STJD será de fundamental importância para definir, de uma vez por todas, a partir da constatação da omissão da FIFA em apreciar tais fatos, se concorda em conferir prevalência à Constituição Federal ou ao Código Disciplinar da FIFA, quando em julgamento denúncia por manifestações políticas protagonizadas por torcedores.

Em outros termos, será que o STJD irá entender pela livre manifestação de pensamento e pela essência do esporte enquanto congregador das diferenças e minorias, ou irá optar pela repressão velada, agindo então de forma totalmente inconstitucional?

A discussão ganha maior expressão, por sua atualidade, com a vigência de tais episódios na Copa das Confederações e eventualmente na Copa do Mundo, tendo em vista o disposto no parágrafo primeiro do artigo 28 da Lei Geral da Copa:
DAS CONDIÇÕES DE ACESSO E PERMANÊNCIA NOS LOCAIS OFICIAIS DE COMPETIÇÃO 
Art. 28.  São condições para o acesso e permanência de qualquer pessoa nos Locais Oficiais de Competição, entre outras:
§ 1o  É ressalvado o direito constitucional ao livre exercício de manifestação e à plena liberdade de expressão em defesa da dignidade da pessoa humana.

            Ora, seria mesmo indispensável que a Lei Geral da Copa legislasse a respeito de um direito já assegurado pela lei maior, a Constituição Federal?  Outrossim, retomando o pensamento anterior, não estaria, portanto, o próprio código disciplinar da FIFA em desarranjo com a Lei que regula a organização de sua própria competição?
Sob esses questionamentos, ainda que a FIFA vier a punir as associações nacionais, em razão da afixação desses cartazes - o que penso ser muito pouco provável, sobretudo, pelo clima de insatisfação vivenciado nesse período de manifestações -, ainda assim o Poder Judiciário, caso seguisse os ditames da Constituição, indeferiria as ações de responsabilidade civil ajuizadas pelas associações nacionais contra os torcedores-manifestantes para reaver o valor pago em multa pecuniária à FIFA, posto se tratar de exercício legal e legítimo do direito de livre manifestação.
Não entender dessa maneira só aumentará a censura nos estádios esportivos, como infelizmente ocorrera em Belo Horizonte na semana passada, conforme se pode ver abaixo:
No vídeo, se pode notar, inclusive, o despreparo dos agentes de segurança e dos stewards, pois, como esclarecido nas linhas anteriores, a própria Lei Geral da Copa, suspende tacitamente os efeitos do dispositivo do Código Disciplinar da FIFA, proibidor de qualquer manifestação política.

Logo, temos que foram e ainda permanecem ultrajados os seguintes dispositivos da Carta Magna:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vidaliberdade,igualdadesegurança e a propriedade, nos termos seguintes:

IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;

VIII - ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei;

IX - é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença;

Art. 220º A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.

§ 2º - É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística.
Aos torcedores, fica a dica. Leve a Lei Geral da Copa consigo na entrada do estádio. Caso seja impedido, exiba o artigo 28 e determine a presença do ouvidor da competição e de um advogado que deverá estar presente no Juizado do Torcedor, este instalado ou no interior ou nas adjacências dos estádios sedes, exigindo assim, a consequente entrada e possibilidade de se manifestar pacífica e politicamente.
Abraços e fiquem com Deus!
FELIPE TOBAR